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Entrevista com a ilustradora Tita Berredo


Hoje vou fazer um post diferente. Vou começar um novo quadro aqui no blog e como está muito legal vou dividir o post em duas partes! Mas calma, vocês não precisam esperar até sexta pela segunda parte, amanhã mesmo eu posto ela!

Esse quadro é uma série de entrevistas onde eu vou convidar alguém ligado ao mundo dos livros para responder algumas perguntas. E hoje a entrevistada é a ilustradora Tita Berredo, que gentilmente aceitou meu convite. Eu fiquei muito feliz!

Ela foi a primeira pessoa em que pensei para começar o novo quadro, pois eu amo seus desenhos - E achei que iria ter tudo a ver com os livros, pois muitas vezes eles são ilustrados - e gostaria de saber e de mostrar a vocês como é esse processo.

A Tita é uma amiga da minha mãe desde a escola e que hoje também é minha amiga. Ela desenha muito bem e na quarenta me ajudou muito com suas lives de desenho.

Tita é uma ilustradora de livros infantis nascida no Rio de Janeiro. Ela fez mestrado em literatura e ilustração infantil na Goldsmiths University of London e é representada pela agência Fairbank Literary Representation. Tita mora na Escócia, ( que é um lugar bem bonito, com animais bem diferentes dos que tem aqui no Brasil) onde lidera oficinas de ilustração de todos os tipos. Ela é coordenadora da Society of Children 's Book Writer and Illustrators de Glasgow e escreve críticas de livros ilustrados para a My Book Corner. Ainda bem que estou escrevendo e não lendo todos esses nomes! (kkkkkkk)


1- Como surgem suas inspirações?


Tita: Ideias são coisas vivas, incrivelmente plásticas que se mesclam facilmente umas com as outras. Elas vêm de coisas que eu vejo, sinto, e experimento na vida. Para mim elas se misturam principalmente com coisas da minha infância e da minha criança interior.

Às vezes a ideia vem do nada e às vezes a ideia não vai para lugar nenhum, é importante ter um filtro também para saber bem que ideias explorar. Inspiração não tem hora, mas com certeza eu tenho uma rotina que facilita e estimula minhas ideias. Desenhar e ver desenhos me inspira muito, ler então…! Eu fico muito estimulada lendo livros ilustrados de outros autores. Quanto mais eu consumo o que eu amo mais e melhor eu produzo. Conviver com o meio e comunidade de artistas visuais e literários também é muito importante para minha produção criativa. Trocar com pessoas parecidas com você é um exercício de autoconhecimento e crescimento muito importante. Por isso sou muito fã do Pinterest e do Instagram, que me permitem acompanhar o que está sendo produzido em termos de ilustração e fotografia ao redor do mundo e em tempo real.



2- Você sempre soube desenhar ou aprendeu depois de fazer um curso?


Tita: Durante a minha vida já crescida eu fiz alguns cursos de técnicas de desenho que me ajudaram a compreender melhor o uso de materiais como aquarela e tinta acrílica, mesmo depois de eu já desenhar muito. Mas como toda pessoa, eu comecei a desenhar quando criança. Acho muito raro ter alguém que nunca desenhou nem quando era pequeno. É importante saber que desenhar é uma habilidade que se treina que nem andar de bicicleta. Muitas pessoas acham que tem gente que sabe desenhar e gente que não sabe. Mas isso não é verdade. Há pessoas que nascem sim com mais aptidão ou vocação para o desenho. Mas se você reparar, todas as pessoas já desenharam quando criança, ou em casa ou na escola. As crianças vão crescendo e explorando seus próprios interesses, aí chegam na pré-adolescência e começam a comparar os desenhos umas das outras. Se elas começam a achar seu desenho “feio” elas se envergonham e param de praticar, e assim param também de gostar de desenhar. Outra coisa importante, é que muitas pessoas confundem desenhar “bem” com desenhar com realismo. Sabe aquele desenho de vaso de flor que parece igualzinho com um vaso de flor de verdade? Esse é o desenho realista. Mas existem tantos tipos de estilo de desenho que é muito mais importante saber o que você mesmo gosta e quer reproduzir do que o que você acha que é “bom”. Eu pessoalmente não me interesso nem um pouco por desenhar um cavalo que pareça um cavalo de verdade — sou muito mais desenhar um cavalo personagem cansado que faz o príncipe carregá-lo e ainda usa a coroa dele.


Na minha rotina estou sempre praticando. Eu desenho todo dia, nem que seja um bonequinho de rabisco bobo, isso é muito importante para a minha paixão e meu trabalho. Quando você entende que a arte é uma coisa que não tem certo ou errado a gente começa a gostar do que desenha mesmo que ache que os outros possam não curtir. Gostar de arte é que nem gostar de biscoito: tem biscoito que a gente adora, e sempre tem um amigo que gosta de um biscoito que a gente detesta — tem até amigo que nem gosta de biscoito —, mas se tiver biscoito tem sempre alguém pra comer. O Instagram me ajudou muito com essa compreensão. Às vezes eu faço um desenho cheio de detalhes demorados que eu acho lindo e posto toda orgulhosa. Vou ver e só me dá uns quinze likes, e um só comentário (da minha mãe). Outra hora eu posto alguma coisa que eu fiz na maior pressa e sem a menor vontade e tantaaan! Mais de cem likes e todo mundo comentando. Com isso eu passei a ter menos medo de mostrar qualquer coisa que desenho, sempre vai ter alguém que gosta.



3- Você tem alguma referência para suas ilustrações?


Tita: Tenho sim, muitas, e elas vivem mudando. Acho que minhas primeiras referências vieram dos livros que eu mais gostava quando criança. Jean de Brunhoff que é o ilustrador do elefante Babar, Hergé do Tintin, Tom & Jerry do Fred Quimby, e as animações clássicas da Disney também foram fortes influências para eu gostar de desenhar e aprender a expressar emoções. Na adolescência eu gostava muito de animes e mangás. E depois que eu comecei a ilustrar profissionalmente as minhas referências todas se voltaram para ilustradores de livro infantil ao redor do mundo. Roger Melo, Lucia Hiratsuka e Renato Moriconi do Brasil, Adolfo Serra da Espanha, Sempé e Jean Julien da França, Catarina Sobral de Portugal, Morag Hood da Escócia, Linde Faas da Holanda. Cada um deles revela algo em seu estilo, personagem, escolha de cores, técnica, traço e atmosfera que acende algo em mim. Acho muito bacana pensar que por causa disso temos algo em comum. É uma admiração que me inspira, que contribui para minha arte como um todo, algo que uma vez absorvido passa por mim e sai como algo próprio.



A parede do meu estúdio é um mural onde eu colo cartões postais, recortes e desenhos de ilustradores que eu admiro. É como um pequeno museu da minha curadoria. Faz toda a diferença me sentir inserida no meio da arte que eu admiro. Adoraria pensar que na parede de alguém há um desenho meu.



4- A qualidade dos materiais usados faz diferença?



Tita: Pode fazer para a pessoa, para o desenho não muito. Mas tudo depende do resultado que você quer chegar. Cada material tem sua finalidade e às vezes a qualidade (tanto alta quanto baixa) pode contribuir ou interferir no desenho. Eu tenho uma variedade de materiais caros e baratos. As minhas aquarelas de tubo e pastilha são bem vagabundas e eu as acho ótimas. Já as minhas aquarelas líquidas são mais caras porque as baratas deixam marcas que atrapalham o meu desenho e eu não gosto. Se eu gostasse usava elas mesmas! Meus papéis são baratos, meus pincéis são caros. Meus lápis de cor baratos são ótimos para fazer linhas, meus lápis de cor caros são ótimos para criar camadas e gradientes. Tudo depende de como você usa, se o resultado que o material traz te agrada ou não.


Às vezes a gente se adapta melhor a um material do que outro. Uma vez eu ganhei uma caixa de lápis de carvão importada. Toda vez que eu usava eu rangia os dentes, eles arranhavam no papel e eu não aguentava de aflição. Decidi que carvão não era para mim. Até que um dia uma amiga me emprestou um lápis delicioso que parecia um veludo no papel. Perguntei para ela o que era o material: “ carvão só que é baratinho”. A partir de então adoro carvão, mas só dos baratinhos!


Todo investimento que você faz em material tem que ter um motivo. Comece com um barato, não gostou do resultado, descubra se foi por causa da qualidade ou se porque você não gostou da mídia em si. Eu já experimentei diferentes tintas a óleo e no final descobri que não era a qualidade, o que eu não gostava era do material mesmo, não era para mim. Por isso experimentar é a melhor coisa. Muitos materiais mais caros são vendidos avulsos, por isso eu gosto de comprar uma ou duas cores do material para experimentar antes de comprar a caixa toda. Se eu me apaixonar, eu compro a caixa.



5- Você prefere desenhar digitalmente ou no papel?


Tita: Na minha área ainda tem um certo debate sobre os dois. Para mim é uma escolha pessoal que nem tirar foto com câmera digital ou manual. Quem vai fazer a foto é o fotógrafo, a câmera não melhora ou piora a foto e ele não tem mais ou menos mérito pela câmera que usa. Hoje em dia eu uso os dois e estou bem confortável passeando de um para o outro de acordo com a minha conveniência.


Preferir, eu prefiro de longe desenhar no papel. Para mim não há nada que supere derramar a tinta e arrastá-la pelo papel de acordo com o meu traço orgânico. Agora, eu acho a ferramenta digital uma coisa super útil para rascunhos e projetos mais rápidos. Eu tenho curtido produzir o storyboard de alguns livros no meu iPad Pro usando o Procreate. Só de ter o botão de “desfazer” já é uma economia de tempo enorme! É muito útil para quando ainda estou decidindo a paginação do livro, a ordem de cada ilustração e a composição narrativa. Mas para experimentações de mídia e para a arte finalizada eu acho que sempre vou preferir usar materiais tradicionais e manuais. Grande parte do meu estilo gráfico está nas imperfeições do traço manual e na imprevisibilidade da tinta, coisa que o digital mascara.


Continua amanhã...


Tita Berredo

Handle no Instagram e Twitter: @titaberredo










Todas as ilustrações deste post são de

Tita Berredo

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